Essa é uma matéria que fiz para um trabalho de faculdade. Mas gostei muito do resultado e publico aqui.
As mulheres que elas serão
As adolescentes e seus modelos de vida
Minéia Gomes
Rhanna estava sentada daquele jeito que moça não deve sentar. Com a saia no meio das pernas. Pés na mesa. Olhava meio que para o nada enquanto tentava recordar memórias que foram narradas pela mãe. Estávamos na sala de reunião do Projeto Teia da Vida, onde elas trabalham como estagiárias pelo IEL. “ Ela se casou pra poder estudar”, foram suas palavras ao relembrar as escolhas que mãe fizera. Após 3 ou 4 propostas de casamento e a declaração que não queria se casar, Rhanna só tinha 10 anos. Hoje uma das poucas certezas que tem é que não quer ter filhos. E esse não querer parece vir meio que da visão da mãe que fez 3 faculdades todas carregando um filho na barriga, somado a questão da vaidade. Ela consegue se ver com rugas, mas não admite as estrias vindas da gravidez.
Ter 15 anos pra uma menina talvez seja estar muito distante da vida adulta. Tudo parece meio que um sonho, um desejo. Eu aos 15 anos tinha planos pro futuro como Rhanna, Mysllene, Jordânia e Laís. A chegada dos 30 estava tão distante dele quanto o sol da terra. Para algumas coisas eu tinha muita certeza, aquela certeza que permeia a adolescência e quase sempre é furada. Já outras, nem tanto. Mas em minha cabeça tudo poderia ser mudado a qualquer momento. A vida era muito mutável sob meu ponto de vista.
“Minha mãe sempre cuidou de mim e de minha irmã sozinha...ela sempre teve um projeto traçado assim, ela queria se formar e correu atrás disso...” Mysllene
Mysllene tem uma visão. “ Quero por silicone”, diz em meio a uma boa mordida no salgadinho e um gole de suco em caixinha. Aos 30 anos ela será uma coroa. Tudo que tem 10 anos a mais que ela, é velho. Ela briga com o espelho todo dia, porque ele insiste em dizer a ela que está gorda. Ela quer ser uma coroa enxuta. Sua mãe a criou sozinha, conta ela com aquele olhar de admiração. “ Ela começou como faxineira e hoje é gerente comercial. Ela está no mesmo trabalho há muito tempo e hoje pôde fazer faculdade de administração “. Mysllene, por sua vez, será engenheira e arquiteta. Talvez o casamento esteja incluso nesse pacote. Agora filhos, “prefiro ter um menino, menina é muito enjoada”.
Há quem queira formar um time de futebol... Pode ser de salão, society ou de campo. Um time de futebol! Esse é o desejo de Laís, ter muitos filhos. Nossas avós foram criadas para acreditar que isso seria uma condição de sucesso para o casamento. Ela fala isso enquanto gesticula apressadamente. Suas mãos acabam mostrando exatamente a ansiedade de viver tão típica dos jovens. Ela deveria formar um time de Vôlei ou Handebol. No entanto, quer conciliar maternidade com a formatura e um casamento. Depois conserta um pouco a fala e diminui pra 3. Seus olhos brilham de entusiasmo, um entusiasmo que talvez se perca entre as primeiras fraldas de cocô, noites sem dormir e o trabalho de faculdade pra entregar no outro dia cedo.
Jordânia quer ser famosa. Ela quer ter a vida arrumadinha, seu apartamento e sua independência. “Eu não quero sustentar ninguém. Eu quero ser sustentada. Mas, no entanto, eu não quero tá assim debaixo da asa de ninguém. Tipo, a hora que eu quiser fazer o que quiser e quando quiser eu quero ter condições pra isso, é lógico que quero usufruir do bem bom.” No final das contas Jordânia não quer ser só mais uma. Ser famosa significa que as pessoas querem saber de você, e é isso que ela quer. O modelo certinho de mulher que vem da mãe, é apenas o modelo da virtude, não o modelo da realidade. Essa máscara da realidade ela pega emprestado da Britney Spears. Ela quer ser uma star.
As mulheres da minha época achavam que Leila Diniz ou Madona eram modelos de mulheres. Elas eram livres, independentes, donas de seus corpos e de suas palavras. Para essas meninas, o grande modelo a ser seguido é a mãe. Tudo o que eu não queria ser era igual a minha mãe. Camila Pitanga e Angelina Jolie aparecem como modelos de beleza. Será que elas conhecem a angústia de Madame Jolie ou as surras de Madona? As mães, esses ídolos obscuros e em sua maioria com estórias não muito felizes para o padrão da classe média, tem na ausência do pai ou num quadro pintado de um homem fraco, as imagens masculinas que não querem reproduzir. Essas meninas serão mulheres exigentes quanto ao outro. E tal exigência poderá ser saciada por um simples mortal?
Quando pergunto sobre esses desejos e sonhos, dá pra notar que nos discursos de cada uma que a independência é sempre equivalente a organização financeira. Ter dinheiro é a preocupação principal dessas meninas na vida adulta. As ambições são variáveis e a maioria delas acredita realmente que estudando tudo será mais fácil. Todas as fichas estão apostadas no vestibular e no futuro de uma carreira. A necessidade de se destacar, de provar algo a si mesma já cria nelas fantasmas que vem perseguindo a mulher moderna. Se para nós é preciso provar ser boa mãe, esposa e profissional. Talvez para elas o profissional seja o prioritário e também o único que poderá realmente angustiá-las.
“ Eu perdi o desejo de ser mãe... a mulher perdeu um pouco do feminino” . Rhanna
Quem são elas?
Às vezes práticas e atitudes parecem apenas assumir outras roupagens. As escolhas feitas ao longo do tempo por essas jovens mulheres e que vagarosamente vão inserindo-se nessa caleidoscópica civilização, mostram o quanto às escolhas de diversas gerações moldaram o presente de cada uma delas; de todas nós. Os núcleos familiares, os mercados de trabalho, a relação com o outro. Tudo de certa forma sofre a influência das escolhas do ser humano. Mas para essas mulheres, o que importa é não depender de um homem financeiramente. Elas têm poucos modelos de esposas ou amigas. A amante, é a mulher que sobrepõem o homem. “Daquelas que arrasam um homem só com olhar”, ou “ Aqueles que ficam ali no chão, fazendo tudo por você”.
“ Agora Pensando bem assim, até eu queria responder essa pergunta, porque eu não sei quem sou eu...” Mysllene
Uma manteiga derretida é como Mysllene se enxerga. Não chorar na frente dos outros pode indicar o medo de ser avaliada ou simplesmente um sentimento que está a todo o momento à flor da pele. No fundo talvez não há muito o que falar sobre si, porque ainda está em construção. “Eu sou muito de momento!” Ela sabe que se correr atrás do que quer ela vai conseguir, mas detesta pensar no futuro. O Futuro está distante, assim como a avaliação das pessoas que a cercam.
“Vou estar responsável...” Laís
Fazendo um sopão das mulheres que admira , Laís teria o corpo de Angelina Jolie, a garra , determinação e o jeito de criar os filhos da mãe, a força da madrinha que enfrentou um acidente grave e um câncer. Vivendo, Laís descobriu que ser responsável é ter consciência e pelo jeito ela não se acha responsável ainda. A mãe diz que ela é uma meninona, e ela concorda, afinal uma menina de 16 anos não pode ficar brincando com o sobrinho pequeno. Não ser influenciável, é o desejo dela. Mas ainda procura algumas mudanças pra si de coisas que ainda não sabe muito bem o que sejam.
“ De acordo com que a música toca, eu vou junto...” Jordânia
“Se todo mundo faz bagunça eu faço também .” Quietinha e caladinha essa é uma fala que parece não caber na boca de Jordânia. Quando fala de si , tudo parece distante e indefinido. Afinal ela acabou de fazer 15 anos, e essa relação consigo mesma ainda é pouco madura. A única coisa concreta para ela no momento é ser independente financeiramente. A mulher do futuro, ainda é uma semente adormecida. Nem a Profissional está assim tão concreta em sua mente.
“Todo mundo é falso quando é necessário” Rhanna
Ela acabou de completar 18 anos. A visão de Rhanna sobre si vem da observação de terceiros. Extrovertida, nervosinha, mole como uma gelatina e firme como uma bananeira. Muitas contradições que criam conflitos internos às vezes ricos, outras angustiantes. Mesmo com todas as dificuldades ela aprendeu com a mãe que tudo será superável com o esforço e franqueza. Sua vontade mesmo era poder dar um “Dane-se!” quando as coisas não forem do jeito que ela acredita ser o certo. Estar livre de convenções e regras.
Rhanna já não está com os pés na mesa. Agora é Laís que se espicha preguiçosamente na cadeira, mostrando os dedões separados. Olho essas meninas nos olhos e vejo as diferentes mulheres que serão no futuro. Cada uma está construindo sua história, fazendo suas escolhas. A Civilização precisava castrar os instintos para sobreviver e a mulher foi o principal alvo. Essas meninas estão vivendo um mundo ainda em estado de modificação. Elas farão história, assim como suas mães. A filha que um dia terei poderá ter uma delas como exemplo. E com certeza, ela vai sentar-se do jeito que moça não deve sentar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário