sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Lugares para rir e a domesticação do riso

Tanto Lipovetsky quanto Minois acreditam que o riso começa a morrer no final do século XX e dá seu último suspiro no século XXI. Banalizado, sabe-se que os lugares para rir firmados no século XVIII e XIX, já não existem mais. Todo lugar agora é de Rir. Para esses pensadores, a sociedade transformou-se num emaranhado de “gracinhas”, longe da agressividade escarnecedora do século retrasado, e mais próxima de uma política de boa vizinhança. O sério tornou-se antipático para uma sociedade que vive de propagandas. Toda seriedade deve viver um pouco do ébrio, do delicadamente cool1.


Paradoxalmente, é com a sociedade humorística que na realidade começa a fase de liquidação do riso: pela primeira vez funciona um dispositivo que consegue dissolver pro

gressivamente a propensão para o riso (LIPOVETSKY, 1983, p. 135). Minois (2005) afirma que “o riso moderno existe para mascarar a perda de sentido” (p. 632). De fato, se no início do século XX, a sociedade se tornou um emaranhado de espetáculos, e se esses eram os espaços reservados ao riso comedido da burguesia, para onde foi mandado ou escondido o riso popular? Tanto Minois quanto Lipovetsky, parecem pessimistas com relação aos caminhos do riso na pós-modernidade. No entanto, parece que a todo o tempo em seus escritos referem-se à sociedade de massa. E quanto àqueles que, vivendo fora do grande circuito, ainda riem-se dos trocadilhos, das relações do corpo, do Outro?


A sociedade do espetáculo de Guy Debord era, no princípio do século XX, a grande arma para a necessária descontração e distração, para a escalada do capitalismo. Nela, o riso embutido fazia parte do sonho, do imaginário. A imaginação era enriquecida e assim produzia risos suficientes para aquietar os corações dos civilizados. Mas havia aqueles também que ainda estavam distantes dos grandes espetáculos e que, por conta dos medias, acabavam sendo alvos.


Falamos aqui do rádio e do cinema, que atingiam diversas camadas de populações, perdidas num país de dimensão continental. Para Debord, o espetáculo “unifica e

explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes” (Kellner apud Debord, 2004, p. 5). Para estes que estavam tão distantes do grande centro, era preciso improvisar. O Jeitinho próprio do brasileiro acabava por fornecer opções criativas em cima do que existia. Eram criadas paródias, anedotas, contos, cordéis, causos, e se não “tinham ouvido na rádia”, “foi um cumpadre que foi pro sul que disse”. Mesmo dentro da dita civilização, havia ainda os caracterizados como jeca, roceiro, pobretão. E eram esses tipos “marginais” que faziam sucesso no cômico. Ainda hoje são personagens tidos como grotescos que levam ao riso, ao mesmo tempo em que se contrapõem às regras. Haveria um ar subversivo em Jeca Tatu2, Macunaíma3 ou o primo Pobre4? Aqueles que parecem à margem do sistema, são vistos como contraventores, mas de uma contravenção sob medida. Os heróis de hoje são diferenciados. Como afirma Lipovetsky:


As personagens burlescas, heróicas ou melodramáticas fizeram seu tempo, hoje é o

estilo aberto, desenvolto e humorístico que se impõe... o novo her

ói não se leva a

sério, dramatiza o real e caracteriza-se por uma atitude maliciosamente desprendida

ante os acontecimentos... não há entrada para ninguém que se leve à sério, ninguém

é sedutor se não for simpático (LIPOVETSKY, 1983, p. 132).

Mas os lugares para rir não se definem apenas em espaços físicos. A moda, os comics, as gírias também se transformam em espaços (simbólicos) que abrem alas para a manifestação do cômico como modo de vida ou de enxergar a vida. As gírias, cada vez mais minimalistas, têm um ar debochado. Quanto mais solto, mais cômico, maior a simpatia que atraem. Os quadrinhos e a moda são outro termômetro gigante dessa sociedade banalmente risonha. Como afirma Lipovetsky:


Hoje a moda pertence ao desleixado, ao descontraído. O novo deve parecer usado e

o estudado espontâneo. A moda mais sofisticada imita e parodia o natural, também

aqui em paralelo com a descriação das instituições e costumes pós-modernos

(LIPOVETSKI, 1983, p. 143).

Nos quadrinhos, vemos heróis cada vez mais atrapalhados, palhaços ou levemente cafajestes, o que dão a eles um ar cômico. Tempos atrás, havia um fórum da Man’s Health5 que falava sobre a preferência das mulheres por homens que as fazem rir. Nisso percebemos porque aumentou tanto o público feminino para quadrinho. Os heróis ficaram mais atraen

tes porque são simpáticos. Da mesma forma, um homem é mais atraente quando é simpático, engraçadinho. No Século passado, a figura de James Dean, com sua cara amarrada, fazia bater os corações femininos. Agora parece que o Homem Aranha, com suas tiradas satíricas, disputa lugar com o Frekazoide e Adam Sandler (há quem o ache um ch

arme!). Eles são sensíveis, atrapalhados, carentes, mas na hora do vamos ver são pura testosterona. De fato, o riso parece estar por toda parte. Sendo assim, a ideia de um lugar para rir parece ultrapassada. E mais ultrapassado ficou o próprio riso, que se perdeu nessa eterna propaganda de margarina. Se antes ele podia subverter a ordem vigente, agora assimilado e dominado, ele ainda pode fazer algo? Talvez devêssemos resgatar o sério para poder salvar o riso da extinção em função do excessivo uso pela Mídia.

1Cool é uma expressão muito usada por Gilles Lipovetsky para identificar a sociedade Light que busca no cômico uma forma de aceitação leve.

2Personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato e incorporado ao cinema por Mazzaropi.

3Personagem criado por Mário de Andrade e levado ao cinema por Joaquim Pedro de Andrade e ao teatro por Antunes filho.

4Personagem vivido por Brandão Filho no quadro Primo Pobre e Primo Rico do programa Balança mas não cai.

5Revista da Editora abril direcionada ao público masculino na linha das revistas femininas.

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