quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Fractais ou tempera...




A pintura quatrocentista regida por conceitos de simetria de funcionalidade era conhecida pela imagem calculada, arquitetada,

conceitualizada e construída. Primando pela objetividade, a imagem renascentista fugia da subjetividade humana e respondia bem a investigação científica e ao uso de “máquinas”.

A era digital, marca o retorno dessa imagem objetiva, que tende ao desejo renascentista da imagem puramente conceitual, já que os algorítimos de visualização permitem a construção de universos abstratos puramente matemáticos. No entanto a imagem sintética ainda sofre com a

utopia do total controle do visível, obsessão dos renascentistas. O realismo praticado por essa imagem é fruto da lógica matemática e não da percepção do mundo real. Ainda mais calcula das, coerentes e formalizadas que as imagens renascentistas, as imagens digitais ganham um certo realismo que de alguma forma dá continuidade ao princípio do registro fotográfico. De certa forma, os algoritimos de visualização permitem restituir sob forma visível e perceptível as abstrações matemáticas, ao mesmo tempo que descrevem numericamente as imagens.


Segundo Baudrillard (1992) é a imagem que tem se tornado cada vez mais virtual e distante do real. Não se opondo a ele, mas aos ideais de verdade que existem. A imagem hoje é nada mais que uma forma de controle do tempo, pois o “real”, sempre vai sofrer alterações a partir de uma nova leitura, seja ela feita através de uma nova tecnologia ou de um novo pensamento. Nesse caso nem a realidade factual estaria preservada por causa da maleabilidade do processo de digitalização.


Segundo Arlindo Machado (2001;p.15) “ o artista da era das máquinas é, como o homem de ciência, um inventor de formas e procedimentos; ele recoloca, permanentemente em causa as formas fixas, as finalidades programadas , a utilização rotineira, para que o padrão esteja sempre em questionamento e as finalidades sob suspeita.” Acredita-se que a moderna produção tecnicamente mediada, pode interferir diretamente nas formas de percepção da imagem, sendo ela cada vez mais ágil e mais facilitada em sua execução. No entanto o feitio da obra artística, ou melhor do duplo da imagem, ainda continua subordinado aos vários aspectos da percepção que o ser humano – alvo da obra –deve ter. A máquina realiza o trabalho, mas cabe ao artista o trabalho intelectual e a atividade imaginativa e ao público a identificação da obra.

O aspecto abordado aqui refere-se a todo esse entendimento de como o Moderno é subvertido pelo pós-moderno e como este age no processo de criação e percepção do mundo. Para Touraine (1999; 17) “ A modernidade não é mais pura mudança, sucessão de acontecimentos, ela é difusão dos produtos da atividade racional, científica, tecnológica e administrativa.”



Eleanor Hertney (2002; 6) completa afirmando que “o pós modernismo ... é inconcebível sem o modernismo. Pode ser entendido com

o reação aos ideais do moderno...” . Podendo ser apontado como ícone da pós-modernidade, a imagem sintética, rege-se justamente pela simulação do mundo e não sua apresentação racional ou científica. Sua formação, possível pela revolução tecnológica, subverte a ordem da realidade e do palpável, como afirma Baudrillard (1991; 8) “a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade : Hiper-real.”


BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. Jean Baudrillard; tradução: Estela dos Santos Abreu. 2ª edição, Papirus, Campinas, SP, 1992.

------------------------------. Simulacros e Simulação. Jean Baudrillard; Trad. Maria João da Costa Pereira. Relógio D’água, Lisboa, PO

ARNHEIM, Rudolf . Arte e Percepção Visual: Uma psicologia da Visão criadora. Trad. Ivonne Terezinha de Faria. Livraria Pioneira editora, SP, 1996

MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. 3º Ed. Editora da Universidade de São Paulo, SP, 2001.

HEARTNEY, ELEANOR . Pós-Modernismo. Trad. Ana Luiza Dantas Borges. Cosac & Naif, SP, 2002

TOURAINE, Alain . Crítica da Modernidade. 6ª Edição. Vozes, Petrópolis,RJ.

imagens dos artistas: Phyil dune, Jonathan Wong e Uzeyr

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Lugares para rir e a domesticação do riso

Tanto Lipovetsky quanto Minois acreditam que o riso começa a morrer no final do século XX e dá seu último suspiro no século XXI. Banalizado, sabe-se que os lugares para rir firmados no século XVIII e XIX, já não existem mais. Todo lugar agora é de Rir. Para esses pensadores, a sociedade transformou-se num emaranhado de “gracinhas”, longe da agressividade escarnecedora do século retrasado, e mais próxima de uma política de boa vizinhança. O sério tornou-se antipático para uma sociedade que vive de propagandas. Toda seriedade deve viver um pouco do ébrio, do delicadamente cool1.


Paradoxalmente, é com a sociedade humorística que na realidade começa a fase de liquidação do riso: pela primeira vez funciona um dispositivo que consegue dissolver pro

gressivamente a propensão para o riso (LIPOVETSKY, 1983, p. 135). Minois (2005) afirma que “o riso moderno existe para mascarar a perda de sentido” (p. 632). De fato, se no início do século XX, a sociedade se tornou um emaranhado de espetáculos, e se esses eram os espaços reservados ao riso comedido da burguesia, para onde foi mandado ou escondido o riso popular? Tanto Minois quanto Lipovetsky, parecem pessimistas com relação aos caminhos do riso na pós-modernidade. No entanto, parece que a todo o tempo em seus escritos referem-se à sociedade de massa. E quanto àqueles que, vivendo fora do grande circuito, ainda riem-se dos trocadilhos, das relações do corpo, do Outro?


A sociedade do espetáculo de Guy Debord era, no princípio do século XX, a grande arma para a necessária descontração e distração, para a escalada do capitalismo. Nela, o riso embutido fazia parte do sonho, do imaginário. A imaginação era enriquecida e assim produzia risos suficientes para aquietar os corações dos civilizados. Mas havia aqueles também que ainda estavam distantes dos grandes espetáculos e que, por conta dos medias, acabavam sendo alvos.


Falamos aqui do rádio e do cinema, que atingiam diversas camadas de populações, perdidas num país de dimensão continental. Para Debord, o espetáculo “unifica e

explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes” (Kellner apud Debord, 2004, p. 5). Para estes que estavam tão distantes do grande centro, era preciso improvisar. O Jeitinho próprio do brasileiro acabava por fornecer opções criativas em cima do que existia. Eram criadas paródias, anedotas, contos, cordéis, causos, e se não “tinham ouvido na rádia”, “foi um cumpadre que foi pro sul que disse”. Mesmo dentro da dita civilização, havia ainda os caracterizados como jeca, roceiro, pobretão. E eram esses tipos “marginais” que faziam sucesso no cômico. Ainda hoje são personagens tidos como grotescos que levam ao riso, ao mesmo tempo em que se contrapõem às regras. Haveria um ar subversivo em Jeca Tatu2, Macunaíma3 ou o primo Pobre4? Aqueles que parecem à margem do sistema, são vistos como contraventores, mas de uma contravenção sob medida. Os heróis de hoje são diferenciados. Como afirma Lipovetsky:


As personagens burlescas, heróicas ou melodramáticas fizeram seu tempo, hoje é o

estilo aberto, desenvolto e humorístico que se impõe... o novo her

ói não se leva a

sério, dramatiza o real e caracteriza-se por uma atitude maliciosamente desprendida

ante os acontecimentos... não há entrada para ninguém que se leve à sério, ninguém

é sedutor se não for simpático (LIPOVETSKY, 1983, p. 132).

Mas os lugares para rir não se definem apenas em espaços físicos. A moda, os comics, as gírias também se transformam em espaços (simbólicos) que abrem alas para a manifestação do cômico como modo de vida ou de enxergar a vida. As gírias, cada vez mais minimalistas, têm um ar debochado. Quanto mais solto, mais cômico, maior a simpatia que atraem. Os quadrinhos e a moda são outro termômetro gigante dessa sociedade banalmente risonha. Como afirma Lipovetsky:


Hoje a moda pertence ao desleixado, ao descontraído. O novo deve parecer usado e

o estudado espontâneo. A moda mais sofisticada imita e parodia o natural, também

aqui em paralelo com a descriação das instituições e costumes pós-modernos

(LIPOVETSKI, 1983, p. 143).

Nos quadrinhos, vemos heróis cada vez mais atrapalhados, palhaços ou levemente cafajestes, o que dão a eles um ar cômico. Tempos atrás, havia um fórum da Man’s Health5 que falava sobre a preferência das mulheres por homens que as fazem rir. Nisso percebemos porque aumentou tanto o público feminino para quadrinho. Os heróis ficaram mais atraen

tes porque são simpáticos. Da mesma forma, um homem é mais atraente quando é simpático, engraçadinho. No Século passado, a figura de James Dean, com sua cara amarrada, fazia bater os corações femininos. Agora parece que o Homem Aranha, com suas tiradas satíricas, disputa lugar com o Frekazoide e Adam Sandler (há quem o ache um ch

arme!). Eles são sensíveis, atrapalhados, carentes, mas na hora do vamos ver são pura testosterona. De fato, o riso parece estar por toda parte. Sendo assim, a ideia de um lugar para rir parece ultrapassada. E mais ultrapassado ficou o próprio riso, que se perdeu nessa eterna propaganda de margarina. Se antes ele podia subverter a ordem vigente, agora assimilado e dominado, ele ainda pode fazer algo? Talvez devêssemos resgatar o sério para poder salvar o riso da extinção em função do excessivo uso pela Mídia.

1Cool é uma expressão muito usada por Gilles Lipovetsky para identificar a sociedade Light que busca no cômico uma forma de aceitação leve.

2Personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato e incorporado ao cinema por Mazzaropi.

3Personagem criado por Mário de Andrade e levado ao cinema por Joaquim Pedro de Andrade e ao teatro por Antunes filho.

4Personagem vivido por Brandão Filho no quadro Primo Pobre e Primo Rico do programa Balança mas não cai.

5Revista da Editora abril direcionada ao público masculino na linha das revistas femininas.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Beleza fotografica em Jodi Cobb

Sempre fui uma grande admiradora do trabalho de Jodi Cobb. O empréstimo de seu olhar para a National Geográfic é sem dúvida um dos mais sensíveis e perscrutadores que particularmente já pude visualizar. Dona de inúmeros trabalhos, principalmente no campo étnico, Jodi explora espaços visuais que num primeiro momento parecem cenas comuns daquele cotidiano, mas que revelam uma intimidade longe de conseguirmos participar sem um prévio conhecimento. Suas buscas pelo oriente renderam-lhe pequenas invasões a espaços culturais fechados como os das mulheres árabes ou das Gueixas.


Hoje trazendo 3 fotos, gostaria de tentar analisar uma colocação de Philippe Dubois em seu livro O Ato fotográfico, quando ele levanta uma das grandes lebres do estudo da imagem: A Arte é ou tornou-se fotográfica? Em Jodi Cobb talvez possamos encontrar uma resposta , pelo menos creio, seja interessante porque nos três momentos fotográficos que apresento aqui, temos um objeto de arte de fato na imagem fotografada, porque trata-se da arte que impregna o próprio ser humano.


Essa primeira foto poderia ser um retrato normal do cotidiano se não fosse o tremendo contraste poético que a cerca. A mulher coberta pelo véu, revela uma sensualidade enigmática expressa pelos olhos que pouco aparecem e pela curva sinuosa de seu quadril. Em contraste com sua vestimenta de um negro profundo, temos um dia ensolarado onde duas meninas vivem uma liberdade colorida expressa em suas roupas e na sua brincadeira de balanço. A mulher parece recortada de uma outra realidade e pregada ali contra aquele fundo amarelo da areia. Ela percebe a presença da câmera, mas não se rende a ela. Ao contrário encara-a. A composição bem distribuída preenche todo o enquadramento . Mesmo que a figura da mulher tente nossos olhos para fixar sua imagem, o movimento da segunda menina reequilibra o quadro. Uma obra de arte equilibrada, se assim podemos dizer.



A foto de uma mulher etíope, volta a trazer o grande contraste de cores, que é uma das marcas de Jodi. O negro profundo da pele e do véu destacam com grande força os adereços coloridos. A foto em plano médio deixa um ar direcional a sua esquerda que não interfere na composição, pelo contrário só vem equilibrá-la já que quase toda a informação visual se encontra no lado oposto. Mesmo que o cenho da jovem mulher esteja pesado, a alegria contrastante de seus adereços nos leva a pensar a razão pela qual decidiu então usa-los. Ela encara a câmera de uma forma sutil mas firme e seu

olhar é tão penetrante que quase nos esquecemos da criança que está no seu colo escondida sob o véu em segundo plano.


Aqui temos uma jovem gueixa em seu ritual de pintura e preparação. Um momento artístico de concentração e técnica, flagrado pela lente de Jodi. A boca vermelha e arredondada como um coração ou uma maçã, torna-se convidativa e sedutora, deixando de lado o restante do conjunto. A mão contrasta com o rosto que lembra a porcelana e mostra a realidade por trás dos sonhos vendidos por essas mestras do entretenimento, não há uma real perfeição no mundo real. O vermelho vivo da boca destaca-se por conta de um fundo esverdeado. O close revela também as imperfeições do rosto que tenta vender uma pretensa perfeição. O traço é preciso e uniforme como deve ser a arte japonesa das Gueixas. Um mundo secreto que pode ter o luxo de ser analisado somente com o auxílio das lentes fotográficas que o cercam por sua sutileza e mistério.


Diante dessas imagens, voltamos a questão de Dubois. Se não existisse o ato fotográfico e esses momentos fosse apenas eternizados nas mentes de uns poucos privilegiados, o mundo talvez não pudesse compartilhar um momento da mais pura arte, em toda a sua trama perecível e efêmera. No entanto o ato fotográfico a resgata, e resgata dentro de uma particularidade que é o olhar do artista que fotografa, que talvez não fosse nem de perto o real desejo da obra, mas é o que nos deixa de herança visual. O momento do click é o “start” decisório que captura e regulariza presente, passado e futuro dos observadores que somos nós apreciadores da arte. A Beleza artística em Jodi Cobb portanto nasce arte pelo seu olhar perscrutador e torna-se fotográfica na concretização desse olhar através da captura do momento da imagem.


Minéia Gomes

Radialista/Jornalista/Fotografa